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Google já percebeu que uma parcela importante do público está usando o app de vídeos curtos como ferramenta de busca.
Durante um evento ocorrido em setembro, o vice-presidente sênior do Google, Prabhakar Raghavan, revelou uma informação curiosíssima. Segundo ele, cerca de 40% do público jovem americano está deixando de fazer buscas pelo Google e optando por plataformas de vídeos curtos. Destas, a que mais se destaca é o TikTok.
Talvez seja difícil para pessoas adultas assimilar essa mudança de chave. Afinal, o domínio do Google no negócio das buscas na internet já está mais do que consolidado. São anos e anos incrementando a ferramenta mais robusta disponível para encontrar o que você precisa. Concorrentes tentaram, mas ou desapareceram (lembram do Cadê?), ou não conseguem entregar um produto melhor (Bing e DuckDuckGo vêm à mente).
Que chance, então, o TikTok – um app de vídeos curtos – teria nessa empreitada?
A questão é que o TikTok não parece estar tentando competir com o Google. Seu uso como buscador é mais um daqueles casos de usuários se apropriando de modo inesperado de uma rede social. Nas palavras do próprio Prabhakar Raghavan, “(…) os novos usuários da internet não têm as expectativas e a mentalidade com a qual nos acostumamos. As perguntas que eles fazem são completamente diferentes.”
O TikTok é um bom buscador?
Essa é a primeira pergunta que alguém desacostumado com a plataforma faria. Pode soar clichê, mas a resposta é: depende.
A tendência identificada pelo Google – e confirmada por matérias como esta, do New York Times – é que o TikTok seja usado como buscador em contextos bem específicos. Um dos mais apontados é a procura por restaurantes. Outro que merece destaque são as dicas culturais: resenhas de livros, séries, filmes.
Uma das vantagens do TikTok nesses contextos seria a rapidez com que os resultados podem ser conferidos. Não é necessário acessar vários links externos e verificar cada site. Clicando no primeiro vídeo, você pode zapear pelos demais resultados com um simples movimento com o dedo. E por vezes os primeiros segundos já são suficientes para determinar se ali está a resposta que você procurava ou não.
Outro ponto importante é o fator social. Outras pessoas produzem o conteúdo exibido nas buscas, gente que você vê e escuta. Um texto encontrado pelo Google pode ser extremamente útil, mas não tem o mesmo apelo do compartilhamento visual de informações. Ou melhor, de experiências.
O exemplo dos restaurantes mostra isso muito bem. Uma coisa é ler um review no site de um jornal; outra, é observar a experiência de alguém entrando, se sentando, olhando o cardápio e desfrutando do prato. Muitos dos vídeos sobre restaurantes seguem esse molde, o que torná-los repetitivos, mas entregam um conteúdo muito mais interessante do que a busca do Google. Pelo menos para uma parte do público.
O mesmo vale para outras pessoas fazendo recomendações de filmes e séries, ou mesmo especialistas explicando aspectos de suas áreas de atuação de forma breve e descontraída. Isso, somado à facilidade dos vídeos curtos, torna o TikTok um ambiente interessante para encontrar informação.
Mas nesse ponto há um possível problema: a procedência dessa informação.
O inevitável problema da desinformação
O Newsguard, serviço que monitora a confiabilidade de milhares de sites e veículos de informação, analisou os resultados de buscas no TikTok. Os temas escolhidos bem sérios do que ficas de restaurantes: covid-19, guerra na Ucrânia, eleições nos EUA, dentre outros. Afinal, não se busca apenas por restaurantes e dicas culturais na plataforma.
O levantamento mostrou que aproximadamente um em cada cinco resultados para os temas citados contêm informações falsas ou incorretas. Para completar, as sugestões de busca apresentadas pelo TikTok pode levar o usuário numa espiral de conteúdos inverídicos.
Alguns exemplos apurados pelo Newsguard: ao buscar pelo termo climate change (mudança climática), surgia a sugestão climate change debunked (mudanças climáticas desmascaradas); a busca por covid vaccine (vacina de covid) vinha com sugestões como covid vaccine truths (levando a teorias conspiratórias sobre as vacinas) e covid vaccine HIV (vídeos relacionando a vacina ao vírus da AIDS).
Como acontece com qualquer plataforma onde o conteúdo é produzido pelos usuários, o TikTok está cheio de material falso ou enganoso. Agora, com o público jovem começando a utilizá-lo como fonte de informações, é certo que a ByteDance, dona do app, passará a ser ainda mais cobrada para lidar com isso.
A situação lembra um pouco a do Telegram no contexto brasileiro. Não mais que um coadjuvante nas eleições de 2018, o aplicativo concorrente do Whatsapp teve um crescimento surpreendente no país. Um dos resultados foi a necessidade de instituir métodos mais claros de combate à desinformação. É provável que o TikTok passe a conviver com essa preocupação, agora que tem despontado como uma alternativa ao Google.
Até onde vai a ambição do TikTok?
O uso do TikTok como ferramenta de busca ajuda a entender como o aplicativo chinês vêm impactando as empresas de redes sociais. O principal é exemplo é o Instagram, que foi simplesmente obrigado a mudar seu modelo de fotos para vídeos para acompanhar a tendência popularizada pelo TikTok.
Mas as ambições da marca vão além do cenário das mídias sociais. Há planos para um streaming de música, o que colocaria o TikTok para competir com Spotify. Outro mercado onde a ByteDance planeja inserir o TikTok é o de games (os usuários os acessariam a partir de uma seção específica no app).
Lentamente o TikTok vai expandindo seu escopo para além de sua funcionalidade inicial: vídeos curtinhos para distrair. Improvável que alguém imaginasse que um dia o aplicativo chinês seria essa enorme pedra no sapato de empresas ocidentais mais do que consolidados em seus ramos, mas, aparentemente, esse é o mundo onde vivemos agora.
Se você quiser conferir as impressões de parte da equipe sobre essa coisa de usar o TikTok como buscador, não deixe de ouvir o Tecnocast 265, onde compartilhamos nossas experiências. Spoiler: em alguns contextos, o app é de fato melhor que o Google.