Para britânico que revolucionou a estratégia online na Grã-Bretanha, equipes de tecnologia pouco falam entre si em ministérios e nas diversas esferas federativas.
Mike Bracken, britânico de 50 anos, é uma espécie de Steve Jobs da área de governo digital. Talvez ele seja um dos mais improváveis grandes nomes do mundo online. Após formar-se em história e estudos latino-americanos no início dos anos 1990, começou a escrever sobre tecnologia. Seu envolvimento era descrever e analisar o que acontecia no setor, como jornalista.
Depois fez uma transição da teoria para prática e começou a trabalhar em empresas de tecnologia. Naquela época nada indicava que Bracken seria o principal responsável por tornar os serviços digitais do governo britânico numa referência mundial.
Bracken decidiu abandonar o jornalismo, mas, anos depois, voltou a um jornal. Em 2008, tornou-se o cabeça da transformação digital de The Guardian.
Passou a responder por todas as ações, aplicativos e o site da publicação londrina. Foi quando estava lá que recebeu o convite para trabalhar no governo. Bracken foi contratado em 2011 pela administração conservadora do então primeiro-ministro David Cameron.
A missão: informatizar a máquina pública do Reino Unido, que enfrentava os efeitos da pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial e precisava gastar menos e entregar melhores serviços.
Como executivo do Serviço de Governo Digital, mais conhecido pela sigla em inglês GDS, Bracken levou para a administração pública a maneira de trabalhar das empresas digitais.
Nada poderia ser mais estranho à burocracia estatal. O padrão de gestão do serviço público é desenvolver um plano com todos os detalhes, passar meses discutindo os detalhes a portas fechadas e executá-lo passo a passo exatamente como o planejado em sabe-se lá quanto tempo.
Para construir uma ponte ou estrada esse modelo de gestão funciona. No mundo digital é um atestado de fracasso. Se for por esse caminho, o gestor só fica sabendo que seu plano deu errado no final. Bracken se rebelou contra isso e adotou o modelo de gestão conhecido como Agile.
Partiu das demandas dos clientes (os cidadãos que buscavam os vários serviços providos pelo Estado), colocou soluções rapidamente online, testou as respostas dos usuários e foi fazendo as mudanças necessárias ao longo do processo.
Parece fácil? Não foi. E essa é a parte que pode servir de exemplo para o governo brasileiro, mais particularmente o ministério da Economia, que está empenhado em combater a burocracia com a ajuda de ferramentas digitais.
O Reino Unido que Bracken encontrou oito anos atrás guardava muitas semelhanças com o Brasil de hoje. A máquina pública estava praticamente quebrada. A injeção maciça de recursos do contribuinte para salvar os bancos locais dos efeitos da crise de 2008 havia causado um rombo de 11% do PIB (no Brasil, o déficit hoje é de 7%).
Ao mesmo tempo, o governo gastava muito, e mal, para ter uma presença na internet. O orçamento público para TI era de 16 bilhões de libras, algo como 2% do orçamento nacional. A dinheirama abastecia um emaranhado de mais de 2 000 sites para divulgar ministérios e agências do governo.
A confusão de domínios, interfaces, caixinhas de “fale conosco” e outros penduricalhos digitais serviam de prato cheio para quadrilhas online, que costumavam criar sites falsos, idênticos aos oficiais, para roubar dados de britânicos incautos.
A comunicação entre os órgãos públicos, para evitar bate-cabeça ou mesmo para entender o que de fato o cidadão queria, era mínima. O resultado: quase 40% das páginas de sites oficiais nunca haviam sido visitadas.
Bracken tem uma análise do tamanho descompasso. “Quem cria uma política pública é normalmente um acadêmico. Os sites do governo refletiam a linguagem desse estrato da população. O problema é que o nível médio de compreensão de textos no Reino Unido é equivalente ao de um adolescente de 12 anos.
O cidadão comum pouco entende o que o governo quer dizer”, diz ele. No fim das contas, muita gente preferia telefonar ou mandar cartas quando precisava lidar com o serviço público.
Para piorar, 8 em 10 libras investidas pelo governo para informatizar o Estado iam para grandes empresas de tecnologia vencedoras de contratos que beiravam a casa das bilhões de libras – e mal cumpriam o que prometiam. Ao cortar parte dessas contratações, Bracken provocou uma forte reação das multis.