O Centro de Ensino Fundamental 01 (CEF 01) da Vila Planalto está exatamente no meio do caminho entre os dois palácios mais emblemáticos de Brasília: o do Planalto, onde Jair Bolsonaro (PL) despacha, e o da Alvorada, onde o presidente mora.
Ali estão matriculados quase 600 alunos do ensino fundamental, a grande maioria de famílias carentes. Não há rede wi-fi e nem sequer computadores na sala que deveria ser de informática. Também falta material na biblioteca, que acabou transformada em um espaço para atividades físicas.
“Para que os funcionários e professores tenham internet, fazemos uma vaquinha nós mesmos e pagamos R$ 129 por mês”, afirma a diretora do CEF 01, Nilce Coimbra. “Para fazer pesquisa, os alunos vão numa praça aqui ao lado atrás de conexão.”
A praça não fica muito distante de um restaurante onde Bolsonaro costuma almoçar, segundo Nilce.
A diretora ouviu falar sobre a vinda do empresário mais rico do mundo ao Brasil há poucos dias para anunciar um projeto para fornecer internet por satélite a 19 mil escolas da zona rural no país. O bilionário Elon Musk foi recebido com pompa por Bolsonaro, ministros e autoridades militares no último dia 20.
O projeto do dono da SpaceX (empresa de lançamento de foguetes espaciais) e da Starlink (braço do grupo responsável pelas conexões via satélite) foi anunciado como algo certo no governo e como uma solução promissora para a conexão das escolas brasileiras.
Mas, mesmo que a iniciativa vá adiante, os números mostram que o esforço para conectar as escolas precisaria ser maior do que o apresentado até agora.
A realidade do CEF 01 do Planalto, no coração da capital do país, é a mesma de pelo menos 63,3 mil escolas públicas municipais e estaduais que não oferecem internet a alunos do ensino fundamental. Apenas 36% das escolas têm internet para esses estudantes, segundo dados do Censo Escolar de 2021, feito anualmente pelo Inep, do Ministério da Educação. No Norte, esse índice é de 17%.
Se somadas as escolas de ensino médio da rede pública sem internet para os alunos, o total de unidades é de pelo menos 69,7 mil, conforme os dados do Censo Escolar. Assim, o projeto de Musk encampado pelo governo Bolsonaro chegaria a apenas 27,2% do necessário.
Além disso, menos da metade das escolas públicas que oferecem ensino fundamental tem computador de mesa para os alunos. Com tablet, são menos de 8%.
Outro problema ainda mais básico é a falta de eletricidade. O Brasil tem 3.400 escolas sem fornecimento de luz e outras 2.000 funcionam com gerador. Não há água em 3.600 unidades de ensino da educação básica, segundo os dados do Censo Escolar.
Desde novembro de 2021, o governo Bolsonaro já tratava a ofensiva de Musk no país como uma parceria e dava a entender que o acordo estava pronto, mas sem fornecer detalhes. Foi o mesmo discurso adotado durante a visita do empresário ao país no último dia 20, organizada pelo ministro Fábio Faria (PP), das Comunicações.
Em entrevista à Folha no último dia 28, Faria disse que a empresa de Musk terá de participar de licitação para ofertar o serviço de conexão de escolas à internet.
A posição foi reforçada em nota do ministério à reportagem: “Para conectar as escolas sem internet, a Starlink –já autorizada pela Anatel a operar no Brasil– deverá participar de licitação, assim como qualquer outra empresa interessada em explorar o setor.”
Não há valores de serviços, especificações de lugares a serem atendidos ou operação efetiva da Starlink no país, que abriu um escritório de representação legal no Brasil.
“Os custos, abrangência, tecnologia, assim como demais detalhes, serão definidos no edital a ser lançado na oportunidade, respeitando os princípios constitucionais de isonomia, legalidade, impessoalidade e transparência”, disse o Ministério das Comunicações.
A ideia da pasta é incluir o serviço da empresa de Musk no programa Wi-Fi Brasil, do governo federal, em funcionamento desde 2018. O programa oferece conexão gratuita à internet em banda larga por satélite e por via terrestre.
Desde 2019, segundo números divulgados pelo programa, foram instalados 10 mil pontos de internet em escolas, ou 3.000 por ano, em média.
O ritmo, portanto, não atende a demanda necessária. E é caro, conforme valor de contrato entre Ministério das Comunicações e Telebras para instalação de pontos do Wi-Fi Brasil.
Um contrato assinado em 25 de junho de 2021 prevê a instalação de 2.000 pontos do programa, até 2023, a um custo de R$ 43,3 milhões (ou seja, R$ 21,6 mil cada).
“Os alunos reclamam muito. Os professores até pedem para trazer o celular para pesquisa, mas nem todos têm [pacote de] dados”, diz a diretora do CEF 01. “Na pandemia, quando o presencial foi suspenso, 80% dos alunos faziam o trabalho impresso, por não terem dados de internet em casa.”
A Secretaria de Educação do DF, responsável pela escola, não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O Ministério da Educação também não respondeu às perguntas sobre os indicadores nas escolas brasileiras e sobre eventuais programas para uma mudança da realidade.
O Ministério das Comunicações afirmou ter parceria com o Ministério de Minas e Energia para instalar painéis solares em escolas sem energia elétrica. A pasta disse ainda que existe “possibilidade de formar parceria” com Musk para fornecimento de energia solar “aliada ao provimento de internet em alta velocidade”.
Também há programas voltados ao fornecimento de computadores, segundo o ministério. “Já foram doados mais de 26 mil computadores para 604 municípios nos quatro cantos do país”, afirma.
A pasta disse ainda que Bolsonaro sancionou uma lei em 2022 que prevê internet gratuita em banda larga móvel a alunos da rede pública de educação básica que fazem parte do Cadastro Único de programas sociais.