Monitoramento Ativo de Crimes Graves Online: Como o Governo Planeja Proteger os Usuários

O Palácio do Planalto está preparando uma nova abordagem para enfrentar os desafios da era digital. Em meio a casos alarmantes envolvendo crianças e adolescentes nas redes sociais, o governo federal avalia o envio de duas propostas ao Congresso Nacional que podem transformar o panorama da regulação digital no Brasil.
Estas iniciativas nascem como alternativas para a regulação de redes sociais, após o travamento do PL das Fake News na Câmara dos Deputados.

A Urgência de Novas Medidas

O assunto voltou a ganhar tom de urgência dentro do governo, especialmente após o caso da menina Sarah Raíssa, de 8 anos, que faleceu em Brasília após participar de um desafio perigoso promovido no TikTok. Este e outros incidentes envolvendo a segurança de crianças e adolescentes no ambiente digital têm pressionado autoridades a buscarem soluções mais efetivas.
As propostas em desenvolvimento têm duas frentes principais: uma voltada para a defesa e segurança de crianças e adolescentes no ambiente digital e outra focada na regulação de mercados digitais. Ambos os textos aguardam a palavra final do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para serem encaminhados ao Legislativo.

O Marco Legal de Proteção do Usuário

Um dos projetos que está nas mãos da Casa Civil é um marco legal de proteção do usuário de serviços digitais. O texto é voltado para a responsabilização de provedores de internet e a proteção de usuários, com ênfase especial nos mais vulneráveis.
“Uma das ideias centrais é tornar o ambiente digital mais confiável, sobretudo, para quem é mais vulnerável a conteúdos maliciosos e até crimes como fraudes e golpes”, explica uma fonte do governo ouvida pela CNN Brasil sob condição de anonimato.
Diferentemente de iniciativas anteriores, as discussões atuais passam por um olhar ampliado para além das redes sociais. Fontes envolvidas na elaboração dos projetos afirmam que a preocupação não é somente com o conteúdo de terceiros, mas com todo o ecossistema digital que pode representar riscos aos usuários.

Responsabilização e Monitoramento Ativo

As regras de responsabilização dos provedores de plataformas partem de um princípio inovador: eles seriam responsáveis por todo conteúdo ilícito que circula nas redes, com obrigação de monitoramento ativo em casos de crimes graves.
Esta abordagem representa uma mudança significativa em relação ao modelo atual estabelecido pelo Marco Civil da Internet, que exige ordem judicial prévia para a retirada de conteúdos. Hoje, as empresas podem ser responsabilizadas civilmente apenas se descumprirem essa ordem judicial.

Categorias de Conteúdos Ilícitos

O projeto estabelece diferentes níveis de responsabilidade e ação conforme a gravidade do conteúdo:

1. Crimes graves com monitoramento ativo obrigatório

Conteúdos como incentivo ao suicídio e casos de racismo exigiriam monitoramento proativo por parte das plataformas. Nestes casos, as empresas seriam obrigadas a implementar sistemas de detecção e remoção automática, sem necessidade de denúncia prévia ou ordem judicial.
“O incentivo ao suicídio seria um exemplo de conteúdo que precisa desse monitoramento ativo para evitar a circulação na internet, assim como casos de racismo”, detalha a fonte governamental.

2. Conteúdos ilícitos de menor gravidade

Em situações ilícitas, mas que ainda não entram no rol de maior gravidade, o que se propõe é que uma vez que a empresa é reportada por algum usuário ou autoridade, ou a própria plataforma identificar algo errado, o conteúdo precisa ser retirado imediatamente.
Um exemplo citado seria o compartilhamento de imagens de nudez sem consentimento. Nestes casos, após a notificação, a plataforma teria responsabilidade pela remoção rápida do conteúdo.

O Contexto Jurídico Atual

O governo também acompanha com expectativa o desfecho do julgamento sobre o Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal (STF). Em discussão está o artigo 19 da lei, que exige ordem judicial prévia para a retirada de conteúdos.
O julgamento pode influenciar diretamente a elaboração final dos projetos governamentais, uma vez que uma eventual declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 abriria caminho para novas formas de responsabilização das plataformas.
“Estamos atentos ao julgamento no STF, mas entendemos que, independentemente do resultado, é necessário avançar em uma legislação mais abrangente e eficaz para proteger os usuários”, afirma um assessor da Casa Civil envolvido na elaboração dos projetos.

Alternativa ao PL das Fake News

As propostas em desenvolvimento são uma alternativa ampliada em relação ao PL das Fake News (PL 2630/20), que teve as discussões praticamente paralisadas na Câmara dos Deputados diante do antagonismo das próprias big techs e da base bolsonarista na Casa.
O PL das Fake News, também conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, foi aprovado no Senado em 2020, mas enfrenta resistência na Câmara desde então. Em abril de 2024, foi criado um Grupo de Trabalho para reformular o projeto, mas o avanço tem sido lento.
A estratégia do governo é testar a receptividade da discussão no Legislativo com as novas propostas, que têm escopo mais amplo e foco na proteção dos usuários, especialmente os mais vulneráveis.

Experiências Internacionais como Referência

Os projetos em desenvolvimento pelo governo brasileiro se inspiram em experiências internacionais de regulação digital, especialmente o Digital Services Act (DSA) da União Europeia, que entrou em vigor em 2023.
O DSA estabelece regras claras para plataformas digitais, incluindo a obrigação de remover conteúdos ilegais e limitar a disseminação de desinformação. As plataformas que não cumprirem as regras podem ser multadas em até 6% de seu faturamento global anual.
Outros países também têm avançado em legislações semelhantes. A Austrália implementou em 2021 o Online Safety Act, que dá poderes ao comissário de segurança online para ordenar a remoção rápida de conteúdos nocivos. No Reino Unido, o Online Safety Bill, aprovado em 2023, estabelece o “dever de cuidado” das plataformas com seus usuários.

O Debate sobre Liberdade de Expressão

Um dos principais desafios na elaboração dos projetos é equilibrar a necessária proteção dos usuários com a garantia da liberdade de expressão. Críticos de iniciativas de regulação frequentemente argumentam que tais medidas podem levar à censura e ao cerceamento do debate público.
Para contornar essas críticas, os projetos em desenvolvimento buscam estabelecer critérios objetivos para a definição de conteúdos ilícitos, evitando ambiguidades que possam levar a remoções arbitrárias.
“Não se trata de controlar opiniões ou limitar o debate público, mas de combater conteúdos claramente ilegais e nocivos, especialmente aqueles que colocam em risco a segurança de crianças e adolescentes”, defende um dos técnicos envolvidos na elaboração dos projetos.

O Papel das Big Techs

As grandes empresas de tecnologia, conhecidas como big techs, têm resistido a iniciativas de regulação mais rigorosa, argumentando que já possuem políticas internas para combater conteúdos nocivos.
No entanto, casos como o da menina Sarah Raíssa evidenciam as limitações dessas políticas de autorregulação. Após o incidente, o TikTok emitiu nota afirmando que “conteúdos que promovam comportamentos perigosos” são removidos, mas especialistas questionam a eficácia dessas medidas.
“As plataformas têm demonstrado que a autorregulação não é suficiente para garantir a segurança dos usuários, especialmente os mais vulneráveis”, avalia Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio).
Os projetos em desenvolvimento pelo governo preveem mecanismos de transparência que obrigariam as plataformas a divulgar regularmente dados sobre remoção de conteúdos, denúncias recebidas e medidas adotadas para combater conteúdos ilícitos.

Impactos Esperados

A implementação dos projetos em desenvolvimento pelo governo poderia trazer mudanças significativas no ambiente digital brasileiro:

Para os usuários

  • Maior proteção contra conteúdos nocivos, especialmente para crianças e adolescentes
  • Mecanismos mais eficientes para denúncia e remoção de conteúdos ilícitos
  • Ambiente digital potencialmente mais seguro e confiável

Para as plataformas

  • Necessidade de investir em sistemas de monitoramento e moderação de conteúdo
  • Maior responsabilidade legal por conteúdos que circulam em suas redes
  • Possíveis sanções em caso de descumprimento das novas regras

Para o debate público

  • Potencial redução da disseminação de conteúdos nocivos e ilegais
  • Discussão sobre os limites entre regulação necessária e liberdade de expressão
  • Estabelecimento de novos parâmetros para a cidadania digital

Próximos Passos

Os projetos ainda estão em fase de elaboração final e aguardam a aprovação do presidente Lula antes de serem enviados ao Congresso Nacional. A expectativa é que as propostas sejam apresentadas ainda no primeiro semestre de 2025.
Uma vez no Legislativo, os projetos deverão enfrentar intenso debate, com posicionamentos divergentes entre diferentes bancadas. Partidos como PT, União Brasil, PDT, PSB e a federação PSOL-Rede tendem a apoiar medidas de regulação mais rigorosas, enquanto PL e Novo têm se posicionado contrários a qualquer tipo de regulação das redes sociais.
O governo aposta na estratégia de focar na proteção de crianças e adolescentes como forma de construir consensos e avançar com a regulação, mesmo em um ambiente político polarizado.

Conclusão

Os projetos em desenvolvimento pelo governo federal representam uma nova abordagem para enfrentar os desafios da era digital, com foco na responsabilização das plataformas e na proteção dos usuários mais vulneráveis.
A obrigação de monitoramento ativo para crimes graves e a responsabilização direta das plataformas por conteúdos ilícitos são inovações significativas em relação ao modelo atual estabelecido pelo Marco Civil da Internet.
O sucesso dessas iniciativas dependerá da capacidade do governo de construir consensos no Congresso Nacional e de equilibrar a necessária proteção dos usuários com a garantia da liberdade de expressão no ambiente digital.
Em um contexto de crescente preocupação com a segurança online, especialmente de crianças e adolescentes, os projetos podem representar um avanço importante na construção de um ambiente digital mais seguro e responsável no Brasil.

Perguntas Frequentes

1. Quais são as principais diferenças entre os novos projetos e o PL das Fake News?

Os novos projetos têm escopo mais amplo, indo além das fake news para abordar diversos tipos de conteúdos ilícitos. Eles estabelecem a responsabilização direta das plataformas por conteúdos que circulam em suas redes e a obrigação de monitoramento ativo para crimes graves, enquanto o PL das Fake News focava mais em mecanismos de transparência e responsabilização após ordem judicial.

2. Como funcionaria o monitoramento ativo de crimes graves nas redes?

As plataformas seriam obrigadas a implementar sistemas de detecção e remoção automática para conteúdos relacionados a crimes graves, como incentivo ao suicídio e racismo. Esses sistemas utilizariam tecnologias como inteligência artificial para identificar e remover proativamente conteúdos nocivos, sem necessidade de denúncia prévia ou ordem judicial.

3. Essas medidas não poderiam levar à censura e ao cerceamento da liberdade de expressão?

Os projetos buscam estabelecer critérios objetivos para a definição de conteúdos ilícitos, evitando ambiguidades que possam levar a remoções arbitrárias. O foco está em conteúdos claramente ilegais e nocivos, especialmente aqueles que colocam em risco a segurança de crianças e adolescentes, e não em controlar opiniões ou limitar o debate público.

4. Quando os novos projetos devem ser enviados ao Congresso Nacional?

Os projetos ainda estão em fase de elaboração final e aguardam a aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de serem enviados ao Congresso Nacional. A expectativa é que as propostas sejam apresentadas ainda no primeiro semestre de 2025, mas o cronograma exato depende da decisão presidencial e da articulação política do governo.
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