Desde 2005, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)
Com a finalidade de mapear o acesso à infraestrutura das tecnologias de informação nos domicílios urbanos e rurais do país, e as formas de uso delas por indivíduos de 10 anos de idade ou mais — realiza, anualmente, a pesquisa TIC Domicílios.
De acordo com o último desses estudos, publicado em 28 de outubro de 2019, foi possível perceber que, entres os anos de 2008 e 2018, ocorreu um significativo aumento no número de lares brasileiros que possuem acesso à internet. O estudo aponta que, em 2008, apenas 18% dos domicílios brasileiros tinham acesso à rede e que, dez anos depois, esse percentual saltou para 67% de residências conectadas. Sem dúvida, um notável avanço. O estudo completo por ser visto aqui.
Isso, no entanto, não quer dizer que esses direitos estejam igualmente distribuídos entre a população brasileira. Afinal, se o acesso à rede mundial de computadores já é realidade em mais de 90% dos lares mais abastados, menos da metade (48%) das residências dos indivíduos das classes D e E gozam do mesmo privilégio, conforme detalha a referida pesquisa.
E, como aponta o TIC Domicílios 2018, o alto custo dos serviços em questão é, segundo os moradores desses domicílios, o principal motivo que os levou a não possuir internet em suas casas.
Essa constatação – baixíssimo nível, quando se fala da camada menos favorecida da população, de acesso à rede mundial de computadores – é, para dizer o mínimo, preocupante. Isso porque, em consonância com o relatório elaborado em 2009 pelo Banco Mundial, cada aumento de 10 pontos percentuais, nas conexões de internet de banda larga de um determinado país, corresponde a um respectivo crescimento de 1,3% no Produto Interno Bruto (PIB).
Nítido, sobretudo em um mundo cada vez mais globalizado e conectado, que não há como se falar em comunicação, liberdade de expressão ou desenvolvimento, sem considerar a internet como um meio fundamental para a geração de conhecimento e circulação de informações.
Com a chegada da pandemia de Covid-19, a desigualdade ganhou contornos ainda mais claros, na medida em que a internet tem funcionado como ferramenta essencial para diversas atividades como o trabalho remoto, o acesso à informação e entretenimento e a utilização de serviços tecnológicos, tais como aplicativos de comida delivery e mobilidade urbana – que, igualmente, contribuem para que os usuários de tais serviços fiquem mais protegidos dos riscos causados pela pandemia.
Portanto, enquanto alguns encontram-se amplamente conectados, ampliando suas ações online (teletrabalho, videoconferências, cursos e aulas virtuais), outros, em virtude de sua precária situação econômica, permanecem à margem de um processo evidenciado como nunca antes: o papel da tecnologia cada vez maior e a importância de uma agenda de inclusão digital.
Dentre os diversos direitos constitucionais que, de forma indireta, são afetados com essa problemática, o da educação, certamente, encabeça a lista. Sobretudo porque enquanto as escolas particulares, em sua totalidade, têm ministrado aulas virtuais, para alunos que possuem internet de qualidade em suas residências, grande parte dos estudantes da rede pública — dada a falta de acesso a esses mesmos recursos — não usufruirão do mesmo benefício.
Aqui, é importante mencionar que o governo do Estado de São Paulo, a fim de evitar a potencialização desses danos, firmou, com as operadoras de telefonia, contratos que garantirão aos estudantes da rede pública acesso gratuito à internet.
Já no Rio de Janeiro, a Secretária do Estado da Educação limitou-se a afirmar que “os alunos que não tiverem acesso à internet receberão o material impresso em suas casas e, após o retorno das atividades presenciais, caso tenham necessidade, terão aulas de reforço”.
Nessa senda, cumpre frisar que a 12ª Vara Federal Cível de São Paulo, ao analisar Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública da União, se valeu, justamente, do já mencionado prejuízo suportado pelos alunos da rede pública, para determinar a “adequação do calendário do cronograma do ENEM à realidade do atual ano letivo”.
Insensível a esses fatos, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, garantiu que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não seria adiado. Assegurou, ainda, que o governo recorreria dessa decisão — o que de fato ocorreu — conseguindo, em 28 de abril, a suspensão de seus efeitos.
Isso para não falar da situação dos brasileiros que, em virtude do analfabetismo digital e falta de habilidade em se apropriar do uso da tecnologia, enfrentaram longas filas de até 72 horas nas agências bancárias da Caixa Econômica Federal, com a finalidade de retirar o auxílio emergencial concedido pelo governo federal.
Ora, de nada adianta a criação de um Dispositivo Legal — no caso, o Marco Civil da Internet (Lei Federal nº 12.965/2014) — que estabeleça, expressamente, a necessidade do “direito de acesso à internet a todos”, quando o que se vê, na prática, é uma série de direitos fundamentais sendo violados, justamente, porque a plena utilização da rede mundial de computadores continua sendo quase que uma exclusividade das classes mais favorecidas.
É bem verdade que, afora a Lei acima citada, diversas foram, nos últimos anos, as medidas adotadas no intuito de mudar essa triste e preocupante realidade. Podemos citar, como exemplo, o Programa WiFi Livre SP, cujo objetivo é possibilitar à população, por meio da disponibilização de pontos de acesso espalhados pelas principais praças da cidade, o acesso gratuito e de qualidade à internet.
No entanto — e as situações retratadas ao longo do presente artigo falam por si —, ainda é pouco, muito pouco, para um país que, para sair da grave situação econômica gerada pela pandemia, precisará, dentre tantas mudanças, criar mecanismos aptos a garantir a inclusão digital da população, sob pena de ampliar ainda mais as imensas desigualdades que nos cercam.