Como o governo federal usa o blockchain?

Conheça um pouco da história do blockchain e desbrave cenários de uso da tecnologia no setor governamental, incluindo as iniciativas do Serpro na área


Segundo avaliação do Gartner, o blockchain e suas aplicações derivadas, como tokens não fungíveis (NFT), identidade descentralizada e finanças decentralizadas (DEFI), têm se destacado nos últimos anos entre as tecnologias emergentes no mercado mundial (1). Isto demonstra o potencial disruptivo desta tecnologia, que pode ser empregada nos mais diversos cenários.

Atualmente, blockchain vem assumindo o papel de elemento chave da chamada Web3. No entanto, a tecnologia se popularizou mesmo foi com o Bitcoin, uma criptomoeda, que prometia ser não apenas uma solução rápida e barata para realizar transferências financeiras de forma digital como, também, um substituto para as moedas correntes. Não por acaso, as instituições financeiras foram as primeiras a abraçar a tecnologia, mesmo sendo elas próprias o alvo principal do Bitcoin em seu objetivo de eliminar a necessidade de um terceiro em uma transação financeira.

Este artigo é o primeiro de uma série que está sendo elaborada pelo Centro de Excelência (CoE) em Blockchain do Serpro e irá contar um pouco da história do blockchain, apresentar cenários de uso da tecnologia no setor governamental, citar alguns dos sistemas que já utilizam a tecnologia no governo federal e, por fim, trazer algumas das soluções desenvolvidas pelo Serpro que já se encontram em produção.

História do Blockchain

Um bom ponto de partida para falar da história do blokchain é deixar claro que não ela teve início com o e-mail enviado por Satoshi Nakamoto (pseudônimo da pessoa ou grupo de pessoas por trás do Bitcoin), no Halloween de 2008, para uma lista de discussão de cypherpunks (2). Na verdade, ela começou bem antes disso: a ideia de criar uma cadeia de blocos ligados uns aos outros foi concebida, ainda em 1991, por Stuart Haber e Scott Stornetta (3), para gerar um carimbo de tempo que permitisse validar documentos.

Aliás, vale ressaltar que não apenas a blockchain, como também o protocolo de prova de trabalho (4) e outros conceitos empregados por Nakamoto tampouco eram novos. A genialidade de Nakamoto foi combinar essas diferentes estratégias para conseguir eliminar um problema até então não resolvido: como evitar o gasto duplo em um sistema de transferência eletrônica de dinheiro.

Assim, em 31 de outubro de 2008, foi disponibilizado o artigo Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system (5) descrevendo o problema e a forma como ele seria solucionado por meio da rede descentralizada do Bitcoin. A rede entrou em operação em 2009 e o seu primeiro bloco, o chamado bloco gênesis, foi criado em 03 de janeiro do mesmo ano.

Além das Criptomoedas

Como o nosso foco não são as criptomoedas, podemos saltar para 2015, quando a tecnologia deixou de ser algo restrito aos hackers de criptografia e começou a chamar a atenção de diferentes indústrias, principalmente a financeira. Foi nesta época que o tipo de tecnologia por trás da Bitcoin, que passou a ser chamada genericamente como blockchain ou tecnologia de livro-razão distribuído (DLT), ganhou matérias de capa de importantes revistas como a The Economist (6) e Bloomberg Markets (7).

Outro conceito que ganhou força nesta época foram os contratos inteligentes (smart contracts), que são elementos capazes de armazenar código a ser executado por nós da rede blockchain e que foram implementados, pela primeira vez, na rede Ethereum, também em 2015.

Os contratos inteligentes foram os responsáveis pela explosão de novos casos de uso da tecnologia blockchain, uma vez que  possibilitaram que código programável fosse armazenado e executado nos nós da rede, convertendo, assim, as redes de blockchain em verdadeiros computadores distribuídos, capazes de executar qualquer tipo de regra de negócio, dando a elas um caráter de tecnologia de propósito geral (8).

Casos de Uso em Governo

Soluções para governo baseadas em blockchain prometem garantir proteção aos dados, simplificação de processos, redução das fraudes e dos desperdícios e, ao mesmo tempo, aumentar a confiança e a responsabilidade. Estas promessas se baseiam sobretudo no uso de criptografia, no compartilhamento dos registros que são gravados de forma distribuída e nos algoritmos de consenso, que garantem a segurança, rastreabilidade e auditabilidade destes registros. Tudo isso faz desta tecnologia uma forte candidata para implementar a tão desejada transformação digital dos serviços públicos.

Entre os possíveis casos de uso para governo e interesse público, podemos destacar:

  • Identidade digital
  • Sistemas notariais
  • Certificações
  • Rastreamento em cadeias de suprimento
  • Auditoria
  • Compliance e transparência pública
  • Economia de compartilhamento
  • Comércio Exterior

Blockchain no Governo Federal Brasileiro

O Banco Central do Brasil (BACEN) publicou, em agosto de 2017 o estudo Distributed ledger technical research in Central Bank of Brazil (9) no qual são apresentadas provas de conceito para um sistema alternativo de transferências de reservas, de gestão de identidade e emissão de moeda eletrônica. O arranjo de pagamento Pix, lançado em 2020, e o Real Digital, cujos testes estão previstos para 2023, podem ser encarados como respostas do BACEN ao Bitcoin e outras criptomoedas, mesmo que estes não concorram diretamente com criptoativos, segundo a opinião do coordenador geral do projeto Real Digital do BACEN, Fábio Araújo (10).

Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) publicou, em maio de 2018, o artigo “BNDESToken: Uma Proposta para Rastrear o Caminho de Recursos do BNDES” (11) e, em setembro do mesmo ano, lançou uma consulta pública para buscar componentes para compor esta solução. O BNDES também promoveu, em dezembro do mesmo ano e em dezembro de 2019, duas edições do evento Fórum BlockchainGov, no qual diversas instituições públicas puderam debater e apresentar os seus casos de uso. O evento aconteceu em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS). No dia 30 de maio de 2022, o BNDES e o Tribunal de Contas de União (TCU) lançaram a Rede Blockchain Brasil (RBB): uma rede blockchain que poderá abrigar projetos de diversos entes governamentais (12).

ANAC, Dataprev, Datasus, Petrobras, são diversos os órgãos e empresas públicas que já promoveram alguma iniciativa relacionada à blockchain. Inclusive, o próprio governo federal instituiu a Estratégia de Governo Digital (EGD) por meio do decreto nº 10.332/2020 (13) que estabeleceu as iniciativas:

  • Iniciativa 8.3. Disponibilizar, pelo menos, nove conjuntos de dados por meio de soluções de blockchain na administração pública federal.
  • Iniciativa 8.4. Implementar recursos para criação de uma rede blockchain do Governo federal interoperável, com uso de identificação confiável e de algoritmos seguros.

Blockchain no Serpro

O Serpro começou a prospectar tecnologias de blockchain, ainda 2017, o que deu origem a dois projetos: um, para o desenvolvimento de uma plataforma de Blockchain como Serviço (BaaS); outro para criação de uma prova de conceito baseada no Tesouro Direto. Os resultados destes projetos foram apresentados pela presidente do Serpro em novembro do mesmo ano (14).

Atualmente, o Serpro possui três sistemas em produção, que foram desenvolvidos utilizando a DLT Hyperledger Fabric (15), para a secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB):

  • B-Connect – Sistema de troca de informações sobre operadores econômicos autorizados (OEA) entre as aduanas dos países do Mercosul. Cada país possui o seu próprio nó, e o contrato inteligente, que rege o seu funcionamento, foi escrito em conjunto.
  • B-Cadastros – Rede blockchain para compartilhamento das bases da RFB com estados, municípios e órgãos da administração pública.
  • Compartilha Receita Federal – Sistema de compartilhamento de dados pessoais que faz registro das evidências relacionadas ao pedido, cancelamento ou expiração do prazo de validade do pedido em blockchain.

Sobre os Autores

CoE Blockchain do Serpro – O Centro de Excelência (CoE) em Blockchain é um grupo interdisciplinar instituído com o objetivo de pesquisar, prospectar, capacitar e apoiar o desenvolvimento em soluções em blockchain de forma a aumentar a maturidade do tema no Serpro. Dentre as ações do CoE estão identificar oportunidades de negócios com base na tecnologia, disseminar conhecimento internamente, além de definir e manter modelos de uso para facilitar a sua adoção. Outro objetivo é  promover a aproximação com órgãos e empresas de governo, bem como startups e big techs, para fortalecimento de parcerias e negócios que promovam a inovação nacional baseada em DLT.

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