Uma recente pesquisa com diretores, CEOs e altos executivos observou que o risco da transformação digital (TD) é a maior preocupação em 2019.
No entanto, 70% de todas as iniciativas de TD não atingem seus objetivos. Estima-se que US$ 900 bilhões dos US$ 1,3 trilhão gastos em TD no ano passado foram desperdiçados. Por que alguns esforços de TD são bem-sucedidos e outros fracassam?
Fundamentalmente, é porque a maior parte das tecnologias digitais oferece possibilidades de ganhos de eficiência e maior proximidade com o cliente. No entanto, se as pessoas não têm a atitude mental certa para mudar e se as práticas empresariais atuais são imperfeitas, a TD simplesmente fará essas falhas aumentarem. Cinco lições cruciais nos ajudaram a atravessar transformações digitais com sucesso em nossas empresas.
Primeira lição: entenda a sua estratégia de negócios antes de fazer qualquer investimento. Líderes que visam a melhorar o desempenho empresarial por meio das tecnologias digitais geralmente têm uma ferramenta específica em mente. “Nossa empresa precisa de uma estratégia de aprendizado de máquina”, talvez. Mas a transformação digital deve ser guiada pela estratégia comercial mais ampla.
Na Li & Fung (onde um de nós trabalha), os líderes desenvolveram uma estratégia de três anos para atender a um mercado no qual os aplicativos para dispositivos móveis eram tão importantes quanto as lojas físicas. Eles concentraram a atenção em três áreas: velocidade, inovação e digitalização. Mais especificamente, a Li & Fung buscou reduzir o tempo de produção, aumentar a rapidez de inserção no mercado e melhorar o uso de dados em sua cadeia mundial de suprimentos. Depois que metas concretas foram estabelecidas, a empresa escolheu quais ferramentas digitais adotaria. Apenas utilizando a rapidez de colocação no mercado como exemplo, a Li & Fung adotou a tecnologia de design virtual, o que ajudou a empresa a reduzir o tempo do projeto ao protótipo em 50%. A Li & Fung também ajudou fornecedores a instalarem sistemas de gerenciamento de rastreamento de dados em tempo real para aumentar a eficiência da produção e criou a Total Sourcing, uma plataforma digital que integra informações de clientes e de fornecedores. O departamento financeiro adotou uma abordagem semelhante e reduziu o tempo de fechamento mensal em mais de 30% e aumentou a eficiência do capital de giro em US$ 200 milhões.
Não existe uma tecnologia única que ofereça “velocidade” ou “inovação” como tal. A melhor combinação de ferramentas para uma determinada empresa pode variar de uma visão para outra.
Segunda lição: Beneficie-se das pessoas de dentro da empresa. Empresas que buscam transformações (digitais ou não) costumam trazer um número grande de consultores externos que tendem a aplicar soluções genéricas em nome das “boas práticas”. Nossa abordagem para transformar nossas respectivas empresas é confiar nas pessoas de dentro — funcionários que têm conhecimento profundo sobre o que funciona e o que não funciona em suas atividades diárias.
O Condado de Santa Clara, na Califórnia (onde um de nós trabalha) dá um exemplo. O Departamento de Planejamento e Desenvolvimento estava reorganizando os fluxos de trabalho com o objetivo de melhorar a eficiência e a experiência do cliente. Inicialmente, consultores externos fizeram recomendações para o processo de aprovação de licenças com base no trabalho que eles mesmos haviam feito para outras jurisdições, e que tendiam a adotar uma abordagem descentralizada. No entanto, os membros da equipe com contato direto com o cliente sabiam, com base nas interações com os moradores, que um processo mais unificado seria mais bem recebido. Portanto, Kirk Girard e sua equipe adaptaram profundamente as ferramentas, processos, diagramas recomendados e os elementos centrais do software principal à medida que replanejavam o fluxo de trabalho. Como resultado, o tempo de processamento de licenças foi reduzido em 33%. Muitas vezes, as novas tecnologias podem não melhorar a produtividade da empresa, não por causa de falhas fundamentais na tecnologia, mas porque o conhecimento profundo dos funcionários da empresa foi negligenciado.
Terceira lição: desenvolva a experiência do cliente de fora para dentro. Se o objetivo da TD é aprimorar a satisfação e a proximidade com o cliente, toda iniciativa deve ser precedida de uma fase de diagnóstico com informações detalhadas fornecidas pelo cliente. A equipe do Departamento de Planejamento e Desenvolvimento do Condado de Santa Clara realizou mais de noventa entrevistas individuais com clientes, nas quais pedia a cada um deles que descrevesse os pontos fortes e fracos do departamento. Além disso, o departamento realizou pesquisas com grupos focais, em que pediram a várias partes interessadas — entre os quais agentes, incorporadoras, construtoras, agricultores e instituições locais de renome como a Stanford University — para identificar suas necessidades, estabelecer suas prioridades e avaliar o desempenho do departamento. Este, então, aplicou essas informações em sua transformação. Para responder às solicitações dos clientes por maior transparência no processo de aprovação de licenças, o departamento o dividiu em fases e modificou o portal do cliente; agora os clientes podem acompanhar o progresso de suas solicitações em todas as fases. Para reduzir o tempo de processamento, o departamento configurou o software da equipe para que identificasse automaticamente as solicitações paralisadas. Para possibilitar a ajuda personalizada, o departamento concedeu aos funcionários do Centro de Licenças o controle do fluxo de trabalho de permissões. Os líderes geralmente esperam que a implementação de uma única ferramenta ou aplicativo aumente, por conta própria, a satisfação do cliente. No entanto, a experiência do departamento mostra que a melhor maneira de maximizar a satisfação do cliente é, muitas vezes, promover mudanças em menor escala em diferentes ferramentas e em diferentes pontos do ciclo de serviço. A única maneira de saber onde e como fazer uma alteração é obtendo informações extensas e detalhadas dos clientes.
Quarta lição: reconheça o medo dos funcionários de serem substituídos. Quando os funcionários percebem que a transformação digital pode ameaçar seus empregos, eles podem, consciente ou inconscientemente, resistir às mudanças. Se a transformação digital se mostrar ineficaz, a administração acabará abandonando a empreitada e seus empregos estarão a salvo (ou, pelo menos, é como essa lógica funciona). É essencial que os líderes reconheçam esses temores e enfatizem que o processo de transformação digital é uma oportunidade para que os funcionários aprimorem seus conhecimentos para se adequarem ao mercado do futuro.
Um de nós (Behnam) orientou mais de vinte mil funcionários em diversas empresas ao longo do processo de transformação digital (ele também conversou com as empresas mencionadas neste artigo). Muitas vezes, ele encontra participantes que são céticos em relação a todo o processo desde o início. Em resposta, ele desenvolveu um processo “de dentro para fora”. Todos os participantes são convidados a examinar quais são as suas contribuições particulares para as empresas e, em seguida, ligar esses pontos fortes aos componentes do processo de transformação digital — do qual eles levarão adiante, se possível. Isso dá aos funcionários controle sobre como a transformação digital se desdobrará, além de enquadrar as novas tecnologias como meios para os funcionários se tornarem ainda melhores nas funções que já desempenhavam com excelência. Na CenturyLink, onde um de nós trabalha, a equipe de vendas estava pensando em adotar a inteligência artificial para aumentar a produtividade. No entanto, a maneira como ela deveria ser implementada permanecia uma questão em aberto. Por fim, a equipe personalizou uma ferramenta de inteligência artificial para otimizar a atividade de cada vendedor, sugerindo quais clientes deveriam ser contatados, quando fazê-lo e o que dizer durante esse contato em uma determinada semana. A ferramenta também continha um componente de gamificação, o que tornou o processo de vendas mais interessante. Vernon Irvin, que acompanhou esse processo de dentro, observou que ele tornou as vendas mais divertidas, o que se traduziu num aumento na satisfação do cliente — e um aumento de 10% nas vendas.
Quinta lição: traga a cultura de start-up do Vale do Silício para dentro. As start-ups do Vale do Silício são conhecidas por suas decisões ágeis, preparação rápida de protótipos e estruturas niveladas. O processo de transformação digital é intrinsecamente incerto: as mudanças precisam ser feitas provisoriamente, para então serem ajustadas; as decisões precisam ser tomadas rapidamente; e grupos de toda a empresa precisam estar envolvidos. Como resultado, as hierarquias tradicionais atrapalham. É melhor adotar uma estrutura empresarial nivelada que seja mantida um pouco separada do restante da organização.
Essa necessidade de agilidade e criação de protótipos é ainda mais acentuada do que em outras iniciativas de gerenciamento de mudanças, pois muitas tecnologias digitais podem ser personalizadas. Os líderes precisam decidir quais aplicativos, e de quais fornecedores, devem adotar, qual área empresarial se beneficia da mudança para essa nova tecnologia, se a transição deve ser implementada em etapas, e assim por diante. Muitas vezes, a escolha da melhor solução requer uma ampla experimentação em setores interdependentes. Se cada decisão tiver de passar por várias camadas de comando para avançar, os erros não serão detectados e corrigidos rapidamente. Além disso, para certas tecnologias digitais, o ganho é identificado apenas depois que uma parte significativa da empresa fez a mudança para o novo sistema. Por exemplo, um sistema de computação em nuvem criado para agregar a demanda global dos clientes só pode gerar análises úteis quando lojas em diferentes países coletam regularmente o mesmo tipo de dados. Isso exige que as diferenças nos processos empresariais existentes em diferentes regiões sejam resolvidas. Se os detalhes de como uma nova tecnologia será usada forem principalmente desenvolvidos por funcionários de um país, estes podem não estar cientes das possíveis incompatibilidades.
Trabalhando com a Li & Fung, Behnam ajudou a criar seis equipes interfuncionais, cada uma com funcionários de diferentes escritórios em Hong Kong, China continental, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Essas equipes lideraram diferentes estágios da transformação digital. Como a estrutura delas era nivelada, elas puderam apresentar ideias e obter respostas de Ed Lam (CFO) e dos chefes de unidades de negócios rapidamente. Isso permitiu que as equipes experimentassem ideias sobre como inovações em estrutura de dados, análise e processamento robótico poderiam ser mais bem integrados. Além disso, como as novas propostas foram analisadas por funcionários de escritórios em diferentes países e ocupando diferentes funções, essas equipes foram capazes de prever problemas com a implementação e puderam resolvê-las antes que toda a empresa adotasse as novas tecnologias integralmente.
A transformação digital funcionou nessas organizações porque seus líderes se voltaram aos elementos mais básicos: eles se concentraram em mudar a mentalidade de seus membros, bem como a cultura e os processos empresariais antes de decidirem quais ferramentas digitais adotar e como empregá-las. O que impulsiona a tecnologia é como os membros imaginam ser o futuro da empresa, e não o contrário.