Especialista vê grande risco nas urnas eletrônicas

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Conhecido como “pai das urnas eletrônicas” pelo seu papel na implementação das mesmas em 1996, Giuseppe Janino afirmou que seria um “grande risco” realizar modificações no processo eleitoral a 20 dias do primeiro turno para implementar um teste de integridade com biometria tal qual proposto pelas Forças Armadas e aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta terça-feira.


“Qualquer modificação, principalmente a 20 dias das eleições, seria totalmente temerária porque não haveria a verificação, a exercitação desses procedimentos, recursos de software, de treinamento de pessoas que iriam atuar. Certamente uma modificação desse tipo seria um grande risco”, disse Janino, que foi por 15 anos secretário de Tecnologia da Informação do TSE, cargo que deixou em maio do ano passado.

Após insistência do Ministério da Defesa, o tribunal acatou a sugestão dos militares de adotar a etapa de biometria em teste de integridade das urnas eletrônicas. As Forças Armadas ainda planejam inédita checagem, por meio de análise do resultado de um conjunto de urnas, da totalização dos votos.

Nesta terça, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, disse que o novo teste biométrico será feito em até 10% das 648 urnas já previstas para o procedimento “para verificar se isso é ou não necessário estatisticamente, porque não há uma comprovação estatística de que esse teste com biometria melhore ou não a fiscalização”.

“O teste de integridade válido é o teste tradicional, inclusive, que aumentou de 100 urnas para 640 urnas nessas eleições”, disse o presidente do TSE.

O incremento na metodologia proposto pela Defesa ocorre num momento em que o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), alimenta, sem provas, um temor de fraude nas eleições do mês que vem, endossado por parte da cúpula militar.

Até a eleição passada, o teste de integridade era sempre realizado nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Esse processo consiste em retirar uma urna do local da seção eleitoral e, no dia da votação, faz-se uma votação aberta, em cédulas, com a posterior digitação do número dos candidatos em um ambiente fechado. Depois se verifica se há correspondência entre o que se digitou no teclado da urna eletrônica com a votação em cédula.

Pela proposta das Forças Armadas agora aprovada, a urna eletrônica ficaria na seção eleitoral no dia da votação e o eleitor faz sua votação normalmente. Depois, um eleitor seria convidado a fazer o teste de integridade em outra urna eletrônica, em uma sala ao lado. Ele usaria a sua biometria para liberar a urna em teste e seria dispensado. O restante da execução do teste seria feito por servidores da Justiça Eleitoral, como é atualmente feito pelos TREs.

Para o ex-chefe de tecnologia do TSE, a forma como esse passo a passo vai ser implementado e comunicado vai ser determinante para ter efeitos positivos, como o aumento da transparência do processo eleitoral.

“É necessário esclarecer muito bem ao eleitor de que ele está participando de uma auditoria, e não exatamente da votação, e de que a destinação daquele voto será tão somente para a verificação da integridade do processo de votação e apuração dos votos”, disse Janino, que falou com a Reuters antes e depois de o TSE bater o martelo sobre a mudança.

Para os militares, o novo teste de integridade biométrico é um dos pontos-chave no acerto com o TSE, segundo um alto oficial do Exército com conhecimento das negociações entre Defesa e TSE relatou à Reuters.

“A confiança no resultado passa pelo teste de integridade”, destacou essa fonte militar ouvida pela Reuters.

A proposta que acabou sendo aprovada seria um dos temas de um novo encontro que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, faria com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e técnicos, conforme fontes envolvidas nas tratativas dos dois lados. Moraes já vinha sinalizando nos bastidores que poderia aceitar a sugestão.

CHECAGEM

Contudo, a reunião foi cancelada após mal-estar no TSE diante da reportagem feita pela Folha de S.Paulo, na segunda-feira, afirmando que os militares teriam um acordo com o tribunal para executar uma “apuração paralela” com o acompanhamento de 385 boletins de urnas (BUs) destinados a fazer a checagem dos votos e comparar com o resultado oficial do tribunal.

O Ministério da Defesa rejeita chamar essa iniciativa de apuração paralela e a denomina “checagem da totalização por amostragem” dos votos, segundo a fonte militar ouvida pela Reuters. Eles queriam ter acesso aos dados brutos da totalização para facilitar a realização da checagem, mas, se não lhes for franqueados, farão o processo mesmo assim, usando dados da totalização disponíveis pelo tribunal na internet.

Os militares vão tirar fotos dos BUs em determinadas seções eleitorais e enviar para uma equipe que fará a checagem dos votos. Eles querem apresentar o resultado da checagem no mesmo dia que o TSE fará a sua totalização.

Os integrantes das Forças Armadas querem analisar se há correspondência entre a totalização do tribunal e a checagem que realizarão. Se não houver, segundo a fonte, eles vão apresentar os pontos de divergência ao tribunal, a quem caberá tomar –se quiser– providências.

Procurada, o Ministério da Defesa não respondeu a pedido de comentário.

Para Giuseppe Janino, já havia em eleições passadas a possibilidade de as Forças Armadas ou outras instituições realizarem checagens de forma independente.

“Não vejo nenhuma novidade no sentido de se utilizar esses mecanismos que estão à disposição há muito tempo, que são elementos suficientes para uma auditoria”, disse.

Após a publicação da reportagem da Folha, o TSE divulgou uma nota de esclarecimento para dizer que não houve nenhuma alteração no que foi definido no primeiro semestre do ano de “qualquer acordo com as Forças Armadas ou entidades fiscalizadoras para permitir acesso diferenciado em tempo real aos dados enviados para a totalização do pleito eleitoral pelos TREs, cuja realização é competência constitucional da Justiça Eleitoral”.

“Qualquer interessado poderá ir às seções eleitorais e somar livremente os BUs [boletins de urna] de uma, de dez, de 300 ou de todas as urnas”, seguiu o tribunal, em nota.

Jair Bolsonaro tem dito que respeitará o resultado das eleições desde que elas sejam “transparentes e limpas” –sem detalhar o que isso significa. Ele próprio já chegou a aventar a possibilidade de uma apuração paralela realizada pelas Forças Armadas.

Desde a redemocratização, os militares participam da organização de eleições no Brasil prestando apoio logístico e de segurança. Sob Bolsonaro, parte  da cúpula militar passou a ecoar as desconfianças do presidente e os militares acabaram sendo convidados pelo TSE a participar, com outras instituições, de uma instância para debater a transparência do sistema e atuar na fiscalização da votação.

Os prazos oficiais de colaboração nesta instância já se encerraram, mas os militares vinham insistindo em aplicar mudanças ainda neste pleito — o que foi negado pelo anterior chefe do TSE, Edson Fachin, mas aceito agora por Moraes.

Até o ruído na segunda-feira, entre os militares envolvidos, segundo essa fonte, a avaliação era de que Moraes tem adotado uma série de iniciativas para reduzir divergências do TSE com a Defesa e que as conversas vinham sendo técnicas e produtivas.

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